domingo, 24 de agosto de 2008

Capítulo 1

Capítulo 1 - COMENTEM!

Eu não teria percebido que já estava de manhã, mas o meu despertador fez questão de tocar, avisando-me que já era hora de ir para a escola. Tentei quebrá-lo, arremessando-o contra a parede, mas isso é sempre um ato ineficaz, porque ele continua emitindo aquele som insuportável.

Levantei-me da cama, ainda sonolenta, coloquei minha calça jeans que estava sobre a poltrona e fui desligar o maldito relógio. Abri o armário e rapidamente localizei minha blusa do uniforme, afinal, era praticamente a única roupa branca no armário. Eu fico me perguntando o porquê das escolas falarem que os uniformes são tão importantes para a disciplina. Na minha opinião, eles só querem fazer propaganda da escola, enquanto nós caminhamos pelas ruas. Calcei minhas botas, botei um casaco preto por cima da camisa e fui para o banheiro. Escovei os dentes e passei o lápis ao redor dos olhos. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo e fui para a cozinha.

-Bom dia, mãe. –falei, sentando-me à mesa.

-Vai querer pão? –perguntou, esticando o pacote para mim.

Minha mãe é o tipo de pessoa com a aparência mais normal do mundo. Cabelo loiro até os ombros, olhos castanhos e ela sempre usa calças jeans e regatas quando não está no trabalho. Enfim, ela não tem nada que se possa chamar de diferente.

-Não, eu só vou tomar café. Eu como alguma coisa na escola.

Virei a xícara e tomei o café de uma vez só. Peguei a mochila e fui saindo de casa. Eu moro a duas quadras da escola e, todos os dias, passo pela casa da Adriana para nós irmos juntas. Felizmente, ela é uma das poucas meninas de lá que não pensa em garotos vinte e quatro horas por dia.

-Oi, Drica! Bom dia. –cumprimentei, ao encontrá-la parada em frente ao seu prédio.

-Só se for pra você! Briguei com a Tereza de novo. –contou, olhando o chão.

Pude perceber que ela havia chorado a noite toda. Mesmo disfarçados com uma forte maquiagem preta, seus olhos estavam inchados e vermelhos.

-O que a sua mãe aprontou dessa vez? –perguntei, suspirando.

A Drica tem sérios problemas com a sua mãe. Ela morava com o seu pai, e a Tereza os havia abandonado, porque recebera uma oportunidade de trabalho na Califórnia. Ainda não sei como, mas ela conseguiu provar que não tinha tido chances de vir para o Brasil nesse meio tempo e conseguiu a guarda da Drica. O que eu acho um absurdo! Qual é, ela deixa os dois sozinhos e um belo dia retorna, destruindo uma família, a qual ela deixou por livre e espontânea vontade?

-O meu pai, Lia!Ligou a semana toda e ela não me deu nenhum recado. Ele me ligou mais de dez vezes de Londres, pra saber se eu queria que ele trouxesse uns CD’s pra mim e pra saber como eu estava e eu só descobri isso ontem. –gritou com raiva, chamando a atenção de algumas pessoas que passavam pela rua.

-Fique calma. Quanto mais você mostrar pra ela que sente falta do seu pai, mais ela vai te encher. Olhe, amanhã nós temos teste, vê se não se estressa com essas coisas, porque senão a coordenadora vai ficar no seu pé de novo.

Como eu desprezo algumas pessoas que estudam na minha escola! Eles não passam de um bando de fúteis. Pra alguns, o mundo se passa naquele colégio e tudo gira em torno deles. Parados, em frente à porta, estavam Catarina e seus “amigos”. Eu não consigo entender qual é a graça que eles acham em perturbar as pessoas. Sinceramente, isso é coisa de gente que não tem o que fazer... Se ao menos eles usassem essa vontade imensa que eles têm de azucrinar os alunos em prol de uma campanha beneficente, garanto que muitas pessoas seriam ajudadas. Ao notar nossa presença, eles vieram em nossa direção.

-Ah, ela está chorando... –começou a falar, fazendo biquinho.

-O que aconteceu com você? Está se sentindo excluída? –zombou Letícia, uma garota nada bonita e de cabelos lanzudos e lábios grandes.

-Vocês podem nos dar licença? –pedi, com o restinho de educação que eu ainda tinha.

Elas deram um risinho e ficaram nos olhando. Entrei na sala com Drica nos meus calcanhares. Ao avistar-nos, Mateus veio correndo falar com a gente. Mateus é um garoto incrível. Ele é meio desajeitado, usa aparelho, tem o cabelo repartido ao meio e batendo no queixo. Usa uns óculos estranhos e redondos e faz os desenhos mais perfeitos que já vi em toda a minha vida.

-Oi, Teus. –falamos em uníssono, sorrindo.

-Ganhei o concurso! –gritou animado, dando um sorriso de orelha a orelha.

Nem tive tempo de abrir a boca, Drica deu um pulo e se jogou em seus braços, mas ao dar-se conta disso voltou ao seu lugar. O concurso era muito importante pra ele e o prêmio era um curso de desenho com o melhor desenhista da cidade.

-É...Parabéns... –murmurou a garota, corando e olhando para o chão, envergonhada.

-Eu sabia que você conseguiria. –agora foi minha vez de abraçá-lo. - Ninguém desenha melhor que você!

-Obrigado, meninas. Eu estou realmente feliz. Esse curso vai me ajudar muito.

A professora de Biologia já estava em pé, esperando para começar a aula. Uma magra senhora de cabelos castanhos e olhos opacos. Ela era engraçada e sempre tentava ajudar os alunos da melhor maneira possível.

-Bom dia! –cumprimentou, sorrindo. –Como nós estávamos falando na aula passada, a energia é fundamental para o metabolismo...

-Eu vou ficar de recuperação em Biologia. –lamentou-se Drica, um tempo depois.

-Relaxa, a gente pode estudar junto hoje. O que vocês acham? –sugeriu Mateus.

-Por mim, tudo bem. –falei olhando para eles.

-Então, hoje, lá em casa, às 14:00h. –avisou Adriana, virando-se para copiar o que a professora começava a escrever no quadro.

As três primeiras aulas passaram rápidas, mas as outras duas de história foram insuportáveis. História é a pior matéria na escola. Eu não gosto de ficar aprendendo sobre as coisas que passaram e ficar vendo as injustiças e as coisas absurdas que faziam contra as mulheres, os judeus, etc. Fala sério, quem vive de passado é museu. Algumas coisas até são importantes, mas isso não vem ao caso. História é intragável!

Cheguei a casa morrendo de fome, era possível ouvir o barulho da minha barriga, do primeiro andar do prédio, levando em consideração que eu moro no décimo.

-Mãe, hoje eu vou estudar na casa da Drica. –comentei, cortando um pedaço da lasanha.

O telefone tocou e eu disparei para atendê-lo.

-Alô?

-Lia, é o Mateus... Você quer que eu passe aí, para nós irmos juntos?

-Ah, Teus... Vai indo. Eu vou me atrasar um pouquinho. –disse, lembrando-me que teria de imprimir o trabalho de Inglês.

-O.k. Nos vemos lá então. –e desligou.

Fui para o meu quarto e imprimi o trabalho. Aproveitei para ver os meus e-mails e percebi que chegara um do meu irmão, de alguns dias atrás.

“E aí, maninha? Tenho ótimas notícias! Lembra que eu tentei vestibular aí? Então... Eu passei pra faculdade de Engenharia do Rio e já estou chegando por aí. Avise à mamãe. Te amo. Vinícius”.

-Mãe! –soltei um berro; e ela veio correndo saber o que estava acontecendo.

-O que houve? –quis saber, preocupada.

-O Vinícius está voltando! Ele passou na faculdade e vem morar aqui! –contei sorrindo e ela me abraçou.

-Graças a Deus! Não acredito que ele vai voltar. –ela já estava com os olhos marejados e falava vagarosamente.

-Eu também estou feliz. –falei, abraçando-a. –Olha, mãe, eu tenho que ir agora. À noite, nós ligamos pra ele, tá bem? –e ela confirmou com a cabeça, limpando as lágrimas.

Troquei de blusa e, ao olhar pela janela, percebi que começava a chuviscar. Coloquei um casaco e fui andando em direção à casa da Drica. A chuva foi ficando cada vez mais forte e, assim que cheguei ao prédio, já estava completamente molhada. Entrei no elevador e apertei o quatorze, mas ele parou no sexto andar e, quando abriu a porta, eu dei de cara com o Lucas, namorado da Catarina. Aquele que estava sempre ao seu lado quando ela ia implicar comigo.

-Tá subindo. –falei, na esperança de fazê-lo esperar o outro elevador.

-Ah, tudo bem! –e entrou, parando ao meu lado.

Quando passávamos pelo décimo primeiro andar, o elevador fez um ruído alto, parou e a escuridão tomou conta do lugar. Uma pequena luz de emergência acendeu, deixando o ambiente fracamente iluminado.

-Ótimo! –sussurrei com raiva, chutando o chão.

Lucas pegou o interfone e notou que estava quebrado.

-É, acho que vamos ter que esperar a luz voltar. –lamentou o garoto sentando-se no chão.

Eu fiz o mesmo, ainda irritada. Cruzei os braços tentando me aquecer. O único som que podíamos ouvir era o dos meus dentes batendo de frio. Como eu estava me amaldiçoando por ter deixado o meu celular em casa. Como eu odiava ter que dividir o mesmo ar que ele.

-Você está encharcada!

-E você é realmente incrível em adivinhações. –comentei, ironicamente, abraçando meus joelhos.

-Você é muito engraçada. Vamos, tire essa roupa, eu te empresto meu casaco. –ofereceu, tirando-o do corpo e entregando a mim.

Isso era realmente estranho. Eu não ia trocar de roupa na frente dele. Onde já se viu? Mas eu estava com tanto frio... Ainda relutante, tirei o meu casaco e ele se virou para eu poder tirar a blusa. Como era bom colocar aquele casaco que parecia incrivelmente quente ao entrar em contato com a minha pele gelada.

-Obrigada. –agradeci, tentando soltar a presilha do meu cabelo.

-Acho que nunca a vi de cabelo solto. –comentou me observando. –Fica mais bonito assim.

Eu dei um sorriso torto e agradeci novamente. Era esquisito vê-lo puxando conversa, ele sempre estava “apoiando” sua namorada em todas as brincadeiras que ela fazia comigo.

-Acho que você não gosta muito de mim, não é?

-Seu dom é incrível, você realmente devia entrar para a carreira de vidente! É sério.

-É a minha namorada que não gosta de você. Eu não tenho nada a ver com isso. –explicou se aproximando. -Eu já pedi várias vezes pra ela te deixar em paz.

-Acho que o que você fala não conta muito pra ela, não é? –completei, dando um sorriso sarcástico.

O celular dele tocou e eu ouvi uma voz esganiçada gritando do outro lado da linha.

-Amor, eu estou preso no elevador. –disse, calmamente.

Como ele podia ter um telefone e não ter tentado nos tirar dali?

-Ela desligou. –comentou tristonho.

-Posso usar seu celular? –pedi, esticando a mão.

Como ele era lerdo!

-Claro.

-Drica, eu estou presa no elevador do seu prédio há uns quinze minutos. Dá pra você pedir a alguém pra me tirar daqui?

-Ah, a sua amiga que estava chorando hoje, mora aqui. Não estava me lembrando. –eu revirei os olhos.

Mas não precisou a Drica ligar pra nenhum porteiro, porque a luz tinha acabado de voltar.

-Até que enfim. –louvei, levantando-me.

-É... Acho que é o seu andar. Depois você me entrega o casaco. –falou o loiro me lembrando que eu usava sua roupa assim que o elevador parou no quatorze.

-Acho melhor você ir de escada. –sugeri, abrindo a porta.

-Boa idéia. A gente se vê então... –e estendeu a mão, eu apertei e repeti sua última frase.

Ele foi para um lado e eu para o outro. Apertei a campainha e ouvi os passos de Drica vindo abrir a porta.

-Acho que você pegou uma chuva... Que roupa é essa? –perguntou, olhando absorta para o casaco azul claro com uma grande estampa da Billabong no meu corpo.

-É do Lucas Machado –respondi, entrando e indo em direção ao quarto.

-É de quem? –indagou, arregalando os olhos.

-Oi, Mateus. Vocês já começaram? –perguntei, ignorando-a completamente.

-O que você está fazendo com a roupa dele? –insistiu Drica, parando na minha frente.

-De quem? –foi a vez de Mateus perguntar.

-Eu fiquei presa no elevador com o Lucas Machado e como eu estava toda molhada, ele me emprestou o casaco. –contei, cruzando os braços.

-Foi só isso? –perguntou desconfiada.

-Ah, Adriana, não me faça rir, certo? Nós vamos estudar ou não? –resmunguei.

Nós passamos a tarde toda estudando e quando a Tereza chegou, resolveu nos levar para o Outback. Liguei para casa e avisei a minha mãe que ia demorar e que podia ir dormir tranqüila. Drica me emprestou uma roupa e nós fomos.

-Ela está fazendo isso, porque eu estou com raiva dela. –explicou Drica, enquanto estávamos comendo e sua mãe tinha ido ao banheiro.

-Dri, isso é um sinal de que ela sabe que errou. –falou Mateus.

A Tereza sempre nos tratou muito bem, mas eu não gostava das coisas que fazia em relação à Drica e ao pai dela. E o modo como tirou a filha do Sr. Carlos não foi nada amigável. A pessoa mais importante na vida da Drica era o seu pai e quando ela conseguiu o que queria, suas chances de reconquistar a garota ficaram mínimas.

Cheguei a casa por volta das 23:00 horas. Minha mãe já estava dormindo e achei melhor não acordá-la. Debrucei na janela do meu quarto e fiquei olhando as estrelas. A cena do elevador passou na minha cabeça e eu fiquei pensando no porquê dele ter falado comigo. Sabe... Era bem fora do normal seu repentino interesse em conversar comigo. E eu ainda estava com o seu casaco, que exalava um cheiro muito bom.